A Importância da Memória, Verdade e Direitos Humanos na Argentina (2024)

A vice-presidente eleita da Argentina, Victoria Villarruel, prometeu revisar a atual política de memória, verdade e direitos humanos do país durante sua campanha eleitoral. Essa proposta representa uma mudança significativa na política argentina, que até então tinha um relativo consenso entre a elite política sobre os eventos ocorridos durante a última ditadura militar (1976-1983).

A Argentina é frequentemente elogiada por historiadores e especialistas internacionais em direitos humanos por ter conduzido um processo judicial contra os líderes militares e por ter julgado e punido os torturadores. Em setembro, a ESMA, um dos maiores centros de tortura militar daquele período, foi declarada Patrimônio da Humanidade pela UNESCO.

No entanto, para a vice-presidente eleita, a política implementada até agora não é correta. Villarruel defende a "memória completa", que, segundo ela, deve considerar que houve uma guerra na qual os militares e as forças de segurança estavam de um lado e as guerrilhas de esquerda, que ela chama de "terroristas", estavam do outro.

A Proposta de Villarruel e suas Controvérsias

A proposta de revisão da política de memória, verdade e direitos humanos de Villarruel tem gerado controvérsias. Defensores e ativistas de direitos humanos argumentam que essa proposta representa uma negação histórica e uma falsa simetria ao comparar o uso do Estado para reprimir e matar inimigos políticos durante a ditadura com as atividades das guerrilhas durante o mesmo período.

Analistas entrevistados pela BBC News Brasil afirmam que a proposta de reparação para as vítimas de atos guerrilheiros é legítima, mas também veem nela um risco de retrocesso na política de direitos humanos. A defesa implícita da ditadura militar feita por Villarruel, segundo eles, não pode ser feita explicitamente devido ao consenso social, acadêmico e judicial estabelecido na Argentina sobre o terrorismo de Estado e os crimes contra a humanidade cometidos durante a ditadura.

O Papel de Villarruel na Política Argentina

Victoria Villarruel criou o Centro de Estudos Jurídicos sobre o Terrorismo e suas Vítimas (CELTYV) em 2006, com o objetivo de buscar reparação para as vítimas dos grupos guerrilheiros Montoneros e Exército Revolucionário do Povo (ERP), que atuaram na Argentina nos anos 70, antes do golpe militar de 1976. Os Montoneros tinham raízes peronistas, ligados ao movimento criado pelo ex-presidente argentino Juan Domingo Perón, enquanto o ERP era uma organização de orientação trotskista.

Filha, sobrinha e neta de militares, Villarruel afirma que a Argentina "ocultou" essa parte da história. Ela defende que é necessário abordar ideias que antes eram impensáveis e intocáveis, e que agora estão sendo discutidas graças à sua atuação política.

O Debate sobre as Vítimas da Ditadura

As ideias de Victoria Villarruel também aparecem nos discursos do presidente eleito, Javier Milei. Durante um debate presidencial, Milei questionou o número de vítimas desaparecidas durante a ditadura militar, afirmando que não foram 30 mil, mas sim 8.753. Essa questão tem gerado debates acalorados na Argentina, já que o número de 30 mil é amplamente utilizado pelo kirchnerismo e por organizações de direitos humanos, como as Mães e Avós da Praça de Maio.

É importante ressaltar que o número de vítimas desaparecidas durante a ditadura militar é um tema sensível e controverso na Argentina. O relatório da Comissão Nacional sobre Desaparecimento de Pessoas (CONADEP), entregue ao então presidente Raúl Alfonsín em 1984, documentou 8.961 pessoas desaparecidas durante o regime militar. No entanto, historiadores e ativistas argumentam que esse número não é definitivo e que existem outros documentos e testemunhos que indicam um número maior de vítimas.

A Responsabilidade de Villarruel nas Áreas de Defesa e Segurança

Além de suas propostas relacionadas à memória, verdade e direitos humanos, Victoria Villarruel também assumirá a responsabilidade pelas áreas de Defesa, Segurança e Inteligência no governo de Javier Milei. Essa decisão é considerada inovadora na Argentina, já que é a primeira vez que uma vice-presidente assume essas áreas.

Villarruel e Milei têm sido questionados sobre a possibilidade de permitir o uso de armas de fogo. Milei afirma que essa será uma responsabilidade direta de Villarruel, enquanto ela defende que a legislação deve ser respeitada e nega as acusações de que facilitará o acesso de armas às escolas.

Conclusão

A proposta de revisão da política de memória, verdade e direitos humanos da Argentina feita por Victoria Villarruel tem gerado debates e controvérsias no país. Enquanto alguns defendem a necessidade de reparação para as vítimas dos grupos guerrilheiros, outros argumentam que essa proposta representa um risco de retrocesso na política de direitos humanos e uma negação histórica dos crimes cometidos durante a ditadura militar. O debate sobre o número de vítimas desaparecidas também é um tema sensível e controverso na Argentina, com diferentes interpretações e opiniões sobre o assunto.

É importante que a Argentina continue a promover a memória, a verdade e os direitos humanos, garantindo a justiça para todas as vítimas e evitando a repetição de eventos trágicos do passado. A revisão da política atual deve ser conduzida de forma cuidadosa e respeitando os princípios fundamentais da justiça e da dignidade humana.

A Importância da Memória, Verdade e Direitos Humanos na Argentina (2024)
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